Storytelling em Jogos: Técnicas e Ferramentas para Criar Narrativas Imersivas
O storytelling é uma das práticas mais antigas da humanidade, usado para compartilhar conhecimentos, transmitir valores e fortalecer conexões dentro de comunidades. A contação de histórias está presente em todas as culturas, da tradição oral às narrativas modernas, passando pela escrita e pelo audiovisual.
No século XX, o storytelling se expandiu para áreas como cinema, publicidade, psicologia e, mais recentemente, o desenvolvimento de jogos e ambientes interativos. A importância de contar histórias de forma estruturada e envolvente ganhou ainda mais relevância com o surgimento dos meios de comunicação de massa e, depois, das mídias digitais.
Grandes Autores e Teorias de Storytelling
Diversos autores e estudiosos contribuíram para o desenvolvimento do storytelling como uma arte estruturada. Alguns dos mais influentes incluem:
- Joseph Campbell – A Jornada do Herói Campbell, um mitólogo e escritor americano, criou a estrutura da Jornada do Herói em seu livro O Herói de Mil Faces. Ele identificou padrões comuns em mitos e lendas de diversas culturas, propondo que o herói atravessa 12 etapas, como o “Chamado à Aventura”, o “Encontro com o Mentor”, e a “Provação Suprema”. A Jornada do Herói é amplamente aplicada em filmes, livros e jogos, oferecendo uma estrutura universal para narrativas de aventura e transformação pessoal.
- Christopher Vogler – A Jornada do Escritor Vogler adaptou a Jornada do Herói de Campbell especificamente para o cinema e roteiros. Em A Jornada do Escritor, ele simplifica e aplica os conceitos de Campbell, tornando a Jornada do Herói mais acessível e prática para roteiristas. Seu trabalho é um guia fundamental para quem deseja estruturar narrativas que ressoem emocionalmente com o público.
- Syd Field – O Roteiro em Três Atos Syd Field, um dos primeiros teóricos do roteiro em Hollywood, é conhecido por sistematizar a estrutura em três atos: Configuração, Confronto e Resolução. Em seu livro Manual do Roteiro, ele explica como cada ato organiza a narrativa, apresentando o problema, aumentando a tensão com obstáculos, e concluindo com a resolução do conflito. Esse modelo é utilizado não apenas em filmes, mas também em jogos, pois permite que a história se desenvolva de forma clara e envolvente.
- Carl Jung – Arquétipos e o Inconsciente Coletivo O psicólogo Carl Jung propôs que existem imagens e personagens universais — os arquétipos — presentes no inconsciente coletivo da humanidade. Esses arquétipos (como o Herói, o Mentor, a Sombra) são usados para criar personagens com os quais o público possa se identificar. Na narrativa, os arquétipos ajudam a dar profundidade e simbolismo aos personagens.
- Robert McKee – Story (A substância, a estrutura, o estilo e os princípios da escrita de roteiro) McKee é uma referência no estudo de storytelling, especialmente para roteiristas. Em seu livro Story, ele explora elementos como conflito, construção de personagem e estrutura narrativa, defendendo que a história bem contada é a base de qualquer grande obra de entretenimento.
Esses autores influenciaram e desenvolveram teorias que moldam a forma como pensamos e construímos histórias até hoje. Cada um oferece ferramentas para entender o processo de criação, os personagens, os conflitos e a resolução dentro de uma narrativa.
Ferramentas e Softwares para Criação de Storytelling
Com a expansão dos jogos e das plataformas digitais, o storytelling se beneficiou do desenvolvimento de ferramentas específicas para organizar e visualizar narrativas. Aqui estão alguns dos principais softwares:
- Scrivener: Uma ferramenta de escrita usada por romancistas e roteiristas, que permite organizar notas, cenas e capítulos. Ideal para estruturar a narrativa e organizar as etapas de uma história.
- Final Draft: Software de roteirização profissional, muito usado na indústria do cinema e TV. Possui ferramentas para estruturar o roteiro em três atos e inserir comentários, ajudando a planejar a narrativa visual.
- Celtx: Um software de roteiro que também permite a criação de storyboards, gerenciamento de produção e organização de projetos de narrativa. Celtx é popular para projetos que envolvem roteirização e pré-produção de jogos e filmes.
- Twine: Ferramenta de criação de histórias interativas e jogos narrativos. Com uma interface visual, permite criar jogos de texto ou histórias com ramificações, ideais para narrativas interativas onde o jogador escolhe o caminho.
- Plottr: Uma ferramenta de planejamento de histórias que permite mapear linhas do tempo, arcos de personagem e estruturar a narrativa visualmente. É muito útil para escritores e roteiristas que preferem uma visão gráfica de suas histórias.
- Miro: Um quadro digital colaborativo que ajuda na construção de mapas mentais, fluxogramas e estruturas de narrativa visual. No desenvolvimento de jogos, pode ser usado para mapear o fluxo de eventos e as escolhas do jogador.
- Adobe Story: Um software de roteirização que integra recursos para construção de narrativas, colaboração e planejamento de produção, ideal para projetos que combinam audiovisual e storytelling.
- Storyboard That: Uma ferramenta de criação de storyboards, com uma interface amigável para construir cenas e organizar sequências visuais. Ideal para visualização de cenas e desenvolvimento de storyboards antes da produção.
Esses softwares são ferramentas que ajudam desde o planejamento inicial até a execução visual da história, facilitando o processo criativo para que o autor foque na narrativa e no impacto emocional da história.
Exemplo de Storytelling para um Jogo
Aplicando os conceitos e ferramentas, segue um exemplo de introdução de storytelling para um jogo, inspirado na estrutura em três atos e na Jornada do Herói:
Contexto da História: Em uma vila isolada, o protagonista vive uma vida pacata até que uma criatura sombria invade o local, sequestrando alguém de grande valor para ele. Esse evento força o protagonista a abandonar o lar e embarcar em uma jornada desconhecida.
Ato I – Configuração:
O jogador começa conhecendo o cotidiano do personagem e seu ambiente. Após a invasão da criatura, o protagonista, inicialmente relutante, sente-se obrigado a partir em busca de respostas.
Ato II – Confronto:
Em uma jornada perigosa, o protagonista enfrenta desafios crescentes. Encontra aliados que o ajudam e inimigos que testam sua coragem. Esses encontros o levam a aprender mais sobre si e o mundo ao seu redor, até que, após um grande revés, ele precisa confrontar seus próprios limites.
Ato III – Resolução:
O protagonista enfrenta a criatura em uma batalha final, onde usa tudo o que aprendeu. Após a vitória, ele retorna à vila transformado, ciente das mudanças em si e no mundo que agora enxerga de forma diferente.
Com esse contexto teórico, histórico e prático, o storytelling em jogos ganha uma dimensão ainda mais rica, onde o público não apenas joga, mas vivencia uma história. Utilizando as ferramentas adequadas e com apoio nas estruturas narrativas clássicas, é possível criar narrativas imersivas que marcam emocionalmente o jogador.
Esses links podem ser úteis para leitores interessados nos autores e nas teorias mencionadas:
- Link para informações sobre Joseph Campbell e a Jornada do Herói (por exemplo, a página da Wikipedia sobre Joseph Campbell)
- Link para mais detalhes sobre o livro A Jornada do Escritor de Christopher Vogler
- Link para um artigo sobre o uso de storytelling em jogos no site Gamasutra ou outra referência confiável da indústria de jogos.